quarta-feira, 24 de abril de 2024

Um momento genuinamente feliz

"Quando eu venho aqui, sinto que estou falando com um alguém possível, mas se paro pra pensar, efetivamente acaba sendo o Chu, a Lídia e/ou a Ari.

Tem uma tentativa de reconexão envolvida. Agora as coisas da vida são tantas, se misturam e se confundem de um jeito que a saudade acaba sendo um meio de recuar e olhar pro presente de um jeito diferente. Não necessariamente pior ou melhor, só diferente. Quando falo com vocês eu me sinto menos o Felipe que já colecionou muitos desencantamentos em frentes diferentes, já lidou (e lida) com perrengues muito intensos... e mais o Felipe adolescente, que, por não estar completamente sobrecarregado, tinha uma visão de mundo. Melhor dizendo, é como se eu tentasse recuperar algo que estava ali e atualizar pra minha vida atual, porque tenha a constante impressão que algo importante se perdeu. Tem a ver com se importar, com negar a indiferença perante à vida, indiferença essa que veio se nutrindo das angústias muito fortes que vêm, e que estimulam uma espécie de semi-desistência. Se eu semi-desisto, o ruim da vida segue ali, mas atenuado. Só que tem, claro, uma armadilha envolvida nisso: a gente acaba se viciando nessa apatia, visto que forma de defesa, mas ela não leva só o ruim, deixa o bom acinzentado também.

Outro aspecto: vir aqui é reviver, numa medida imperfeita, mas ainda genuína, um tipo de troca importante e...

é, esse texto não vai sair"


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Olá, tortuguitas

Escrevi esse quase-texto aí de cima há mais de um ano, comecinho de 2023.
Não me lembro porque desisti dele, mas parece que desistência era o tema, então perfeito.
Eu não sei o que falar direito, mas eu gostaria que, quem quer que passe aqui, possa saber como anda um pouco da minha vida. É que guardo um carinho gigante por esse espaço e por vocês, e já que os rumos da vida dificultam muito a possibilidade de reencontros, fica aqui meu relato. Adoraria saber o de vocês também.
Eu não sou mais o menino calado que vocês conheceram. E, ao mesmo tempo, eu sou exatamente aquele menino. Eu estou numa banda de MPB e samba, o que tem sido muito divertido: tocamos algumas vezes em bares e uma vez na versão mariliense da Virada Cultural. Fazer música ao vivo envolve dar a cara a tapa, e para o menino calado seria impossível fazer isso sem quebrar emocionalmente: muito inseguro e nervoso, é possível que ele acabasse desistindo. O menino calado ainda sou eu: quase desisti várias vezes, fiquei com um medão enorme; na primeira vez que tocamos, eu tinha certeza de que estava errando tudo, de que as pessoas aplaudiam por educação, um misto de gentileza e farsa. Mas os erros só o menino calado que viu, os vídeos que a Lari () fez ignoravam meus desleixos gritantes; no lugar deles, magicamente existia só... música. Aliás, bizarramente, era boa música.
Eu não sou mais o menino calado que vocês conheceram, mas sou sim, porque hoje eu trabalho de fiscal municipal e o gosto do dia-a-dia é de quem mastiga angústia em ritmo diminuto, sem sinal de engolir. Isso é porque aqui lido com pessoas, e há o plus de estarem em situação desagradável, como levar uma multa; eu sempre tive um bloqueio com relação a pessoas, e ao mesmo tempo sempre tive uma paixão pelos laços que, em dupla, trio ou mais, construí.
Aquele menino calado grita muito dentro de mim, ele me diz que não tenho direitos, só deveres; que meu espaço é meu corpo apenas, e que, na intermediária, a bola já é dos outros. Esse menino calado precisa de um abraço, e tem que ser dele mesmo,  que se for dos outros, o impacto não será profundo o bastante. Uma vez que, apesar de não sê-lo, sou ele... então que o abraço venha de um outro que é o mesmo, que no caso sou eu.
Uma amiga preciosa disse que preciso me amar, porque eu sei sim viver, só estou perdido.
"As pessoas não são más, irmão. Só estão perdidas". Eu me sinto mau às vezes, sinto inveja de quem não está depressivo, ou de quem não sofre de transtorno de ansiedade.
Outro dia, semana passada, fazia frio, coisa de que gosto e muito. Uma brisa levemente gelada me deu um encontrão, logo enquanto eu ouvia a voz de quem não poderia deixar de ser uma das minhas melhores amigas da vida toda: Chu me atualizava um pouco da sua vida, dando algumas notícias boas que me deixaram com ótimo humor. Fazia tempo que algo tão simples não me causava um bom bocado de alegria: foi um raro momento em que eu não fui fiscal, eu esqueci de verdade desse emprego que detesto; também não experimentava inveja, estava tranquilo e meus olhos sorriam; a única coisa que eu era naquele instante era amigo de Chu, e isso me deixava feliz.

Saudades,
Chala.