Ah,a doce época natalina!Todos dizendo que ‘é o período do amor,da compreensão..’.E das brigas por vagas no estacionamento do shopping,milhares de pessoas correndo,alucinadas,atrás de promoções e de supermercados lotados,com filas quilométricas.
Também é tempo de visitar minha família.Todo ano meu pais nos convocam para o tradicional jantar.
Quer dizer,me convocam.
É o único dia do ano que mamãe dispensa a empregada e assume sozinha todos os preparativos,desde a faxina até a preparação da comida(numa tentativa de mostrar pra si mesma,e para suas amigas,que cuida da família).Qualquer um que leve algum prato extra,tem de levar algo menor,não tão saboroso.Ou passará a noite excluído das atenções da matriarca.
As crianças fazem bagunça e correm pela casa,ansiosas pelos presentes.
E os adultos fingem que se amam.Mentira.Eles se amam,só esquecem de problemas e conversam sobre assuntos variados,como se nunca tivessem tido uma discussãozinha sequer.
Como sempre,nos últimos quatro anos,papai veio me buscar.É normal que eu durma na casa deles,a festa sempre acaba tão tarde que já não passam mais ônibus.Meus pais estarão meio bêbados no fim da noite logo não podem me dar carona,não me emprestam o carro por nada no mundo e meus irmãos estão sempre carregados de filhos,tios e primos.
O sol estava se pondo quando entrei na sala.A luz dourada entrava pelas janelas,tingia a toalha branca e em cima de cada copo,produzia uma pequena estrela.Bonita foto,bom começo de Natal.
Minha apreciação foi interrompida pela voz animada de mamãe.
Ajudei com os últimos detalhes.
A família foi chegando.
Fazia tempo que não via meus sobrinhos,eles estão enormes.
Após fotos e aperitivos,nos sentamos para comer.Antes do ataque,mamãe fez sua tradicional prece de agradecimento.
O jantar estava perfeito.E as vozes preenchiam a sala.
Um velho tio explicava um acontecimento recente e engraçado.
Na mesa das crianças discutia-se a polêmica:Papai Noel,ficção ou realidade?Após muitos argumentos e contra-argumentos,meu sobrinho mais velho concluiu brilhantemente:Pra quem acredita,Papai Noel existe.Pra quem não acredita,ele não existe.
Os pequeno protestaram,mas alguém comentou sobre um novo vídeo-game e a conversa mudou.
Depois de acabarmos,as mulheres foram para a cozinha lavar louça e os homens e as crianças ficaram conversando na sala.
Então,servimos as frutas natalinas,as sobremesas natalinas e o cafezinho.
Mais uma vez,as escravas do lar se dirigiram para a cozinha.
Entre esponjas,pratos e panos,elas discutiram sobre escolas infantis e maridos.Me concentrei ao máximo na importante tarefa de secar louça,pois não conseguia participar do assunto.
Quando finalmente todas nos acomodamos na sala,minha querida irmã mais velha olhou para minhas roupas.Fez uma careta.Sentia que,internamente,ela lutava contra a vontade de discutir comigo sobre quando pretendo fazer faculdade e construir uma carreira.Ela abriu a boca.Preparei meus ouvidos.
Maninha fechou a boca.Achei que ela fosse desistir de mim
-Como está o emprego?-claro que não.
Sorri e respondi que a loja estava vendendo bem e a patroa pensava em abrir outra.
O brilho de seus olhos indicava que o discurso estava sendo cuidadosamente preparado em sua cabeça.
Mas papai rapidamente me perguntou mais sobre o serviço e uma sobrinha esperta fez um comentário-piada e o clima melhorou.
Dez minutos depois,papai discretamente saiu da sala,tocou um sino e gritou que o Papai Noel estava no terraço.As crianças pequenas começaram a gritar e correram para o quintal.Enquanto isso,meus irmãos corriam para tirar os presentes dos carros.Fiquei na sala ajudando a organizar,depois fui atrás das crianças(não perco uma bagunça dessas por nada).
Depois de muita correria,algumas tentativas de encontrar o Bom Velhinho,voltamos para a sala e os presentes foram abertos.
Quando os filhos da Maninha abriram os presentes que dei,ela me olhou com desprezo e disse,só com os olhos,tudo o que não podia pronunciar (que sou uma irresponsável,que devia criar vergonha na cara,que mancho a imagem da família,blá blá blá)
Veio o amigo secreto.Muitas risadas,bons presentes.
Enfim,acabou a festa.As crianças já estavam muito cansadas logo,muito agitadas.Como se houvessem combinado,meus irmãos disseram em uníssono que era hora de dormir e foram embora.
Ficamos apenas eu e meus pais.Ajudei a recolher os papéis de presente,deixamos a sala em melhor estado.
Quando finalmente fiquei só,em meu antigo quarto,dei risada.Como era ridículo fingir que me encaixo.E é ridículo fingir que eu e minha irmã somos ‘irmãs’.Sangue e papel não dizem nada.
Suspirei,mais uma noite de Natal,outro jantar de família até que bem sucedido.Sorri para o teto e dormi.
Celeste Lobato
5 comentários:
Interessante o texto. Pude perceber que eu não faço a menor idéia do que ter uma vida, mas tentei me colocar no lugar durante essa leitura. E foi duro.
Meio fora de hora o texto, mas uma reflexão sobre a hipocrisia dessas instituições e celebrações é sempre bom.
Eu me sinto assim quase todo o natal.
*uma vida assim.
bom, sem a parte das crianças e as escravas do lar, me lembra minha família, feriados familiares só existem para fortalecer a imagem da família americana perfeita, todos felizes e tal, é esse tipo de pose que odeio ver em shoppings na hora do almoço ¬¬
É verdade,Lhamo,deveria ter postado assim que voltei de viagem..há três meses atrás =P a preguiça me consome,as vezes.
Certeza Chu,especialmente no Esmeralda,com aquele teclado ao fundo tocando músicas familiares enquanto famílias sorridentes almoçam.
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