Depois do banho

O despertador tocou. Como sempre ela levantou primeiro e foi para o banheiro resmungando daquela dor na lombar que a incomodava todas as manhãs. Mais tarde tomaram café-da-manhã. Foram para academia, ele para a sauna, ela para a hidroginástica. Voltaram para casa e almoçaram. Arrumaram a cozinha. Dormiram. Ela acordou primeiro, tinha aula de pintura. Ele levantou meia hora mais tarde e foi jogar xadrez com um amigo. Ela foi buscá-lo. Jantaram. Assistiram à novela e como sempre quinze minutos antes de seu término, ele foi tomar banho. Depois, foi a vez dela. Quando chegou ao quarto ele estava deitado, lendo.De repente, seus olhos cansados o enxergaram. Parou na porta completamente surpresa. ‘Como ele envelheceu!’, pensou. Correu para a penteadeira. Estava acabada e velha!Passou minutos diante do espelho, inconformada.Virou-se para a cama. Há quanto tempo não tinham momentos íntimos?Pelo menos uns nove anos. Deitou-se e tentou parecer sexy: -Você ainda me deseja? Ele se assustou, largou o livro e olhou espantado, para aquela senhora de 68 anos que tentava seduzi-lo. -Esqueça a pergunta. -disse ela envergonhada. Pegou seu livro no criado mudo, decida a esquecer a breve tempestade. Ele continuou parado, olhando pra ela. Ficara intrigado. -Por que perguntou? Ela abandonou a leitura e o encarou: -Percebi que estamos velhos e acomodados. Nosso casamento não passa de rotina. -Isso te incomoda? -Incomoda. Estamos juntos por comodidade, por status ou porque ainda nos amamos? -Não sei. -Depois daquela crise,quando a Júlia se formou,deixamos de ser um casal. -É verdade. -Jorge, tem uma coisa que eu sempre quis saber- uma lágrima escorreu por sua face- Você me traiu? Ele respirou fundo. -Não. Confesso que muitas vezes, naquela época, eu olhei as prostitutas e senti vontade. Mas o nojo que se seguia, de mim mesmo, era insuportável. Ela o abraçou, aliviada. Quando se soltaram, olharam-se com ternura e se beijaram. Beijaram-se como na juventude, longamente, apaixonadamente. Depois do beijo, trocaram olhares. Não precisavam de palavras. Deitaram-se e dormiram abraçados.